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Bella maniera

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Bronzino, Alegoria com Vénus e Cupido , c. 1545 Sob a égide da liberdade e independência na arte, o maneirismo e o modernismo caracterizaram-se pela ruptura com os cânones naturalistas vigentes. Separados por 400 anos - o maneirismo atravessando grande parte do séc. XVI e o modernismo ocupando o fim do séc. XIX e o princípio do séc. XX - encontramos em ambos os períodos artísticos um novo pensamento estético que procurava expressar-se contra os sistemas ordenados e regularizados que os precediam. No livro "O Maneirismo e o Estatuto Social dos Pintores Portugueses" (INCM, 1983), Vítor Serrão resume as semelhanças entre os dois momentos apontando a partilha de "um quadro ideológico e cultural informado por dúvidas indissolúveis, por uma angústia existencial, pela agitada tensão e a extrema ambiguidade dos tempos vividos, que se afirma em situações concretas da realidade contemporânea em tempo de crise". Por este motivo se torna interessante notar que a força do de

O artista deslocado

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Há muito tempo que a obra de Richard Prince gera controvérsia. A sua última série de refotografias (ou, melhor dizendo, #regrams ) intitulada "New Portraits", volta a lançar a discussão que tantas vezes redunda na pergunta que serve de mote ao artigo do Guardian : "Isto é arte?" Ao contrário do que afirma a jornalista que assina o texto, a questão não é tão antiga quanto a própria arte, presunção essa que contraria a ideia de arte enquanto expressão humana livre. Porém, é difícil não concordar que a refotografia per se (neste caso em concreto, comentário de uma imagem do Instagram, apropriação por print screen e ampliação por impressão em jacto de tinta sobre tela) é, aos olhos de hoje, um gesto artístico vazio de manifesta acomodação que provoca desconforto entre os demais. Se já é embaraçoso o desajeito no modo como Prince usa as redes sociais, agiganta-se o constrangimento perante os valores na ordem dos cem mil euros que cada um dos seus "New Portraits&qu

Uma súbita incompreensão

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A Alambique e a Letra Livre trouxeram de novo Frantz Fanon (1925-1961), psiquiatra, revolucionário e "homem que interroga"*, para o circuito editorial português. A primeira com o documentário "A Respeito da Violência" de Göran Olsson e a segunda com o livro "Os Condenados da Terra" cuja tradução (revista) é a que António Massano fez para a Ulmeiro nos anos 80. Inocência Mata assina o prefácio desta nova edição e o "Testemunho de um militante angolano" prestado por Mário Pinto de Andrade serve de epílogo. Sartre escreveu o prefácio para o original de 1961, o qual viria a ganhar enorme popularidade e autonomia. Seis anos depois, perante o apoio do filósofo francês ao sionismo, seria oficialmente desassociado do livro por ordem da mulher de Fanon. Nesse seu texto interpelativo, não só encontramos a apologia do pensamento de Fanon como também da violência: "Talvez, então, encurralados contra a parede, desenfreareis por fim essa violência nov

A vida no arame

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A Hungria começou a construir um muro com 4 metros de altura e, presumivelmente, os 175 km de comprimento que definem a fronteira entre este país e a Sérvia. Há não muito tempo atrás, a noroeste dali, mais concretamente a 19 de Agosto de 1989 em Sopronpuszta, centenas de pessoas acorreram para participar no piquenique pan-europeu, uma ideia de Ferenc Mészáros (outro que não o jogador) e que permitiu abrir, entre as 15h e as 18h, um troço da vedação que separava a fronteira entre a Hungria e a Áustria. Construída em 1949 e oficialmente desactivada a 2 de Maio, a vedação mantinha-se de pé e continuava a ser vigiada pelas autoridades policiais, motivo pelo qual vários cidadãos da RDA aproveitariam aquela oportunidade para se evadir. Três semanas depois a vedação seria demolida e em Outubro caía o muro de Berlim. A história desse feliz piquenique pode ser lida neste testemunho de László Nagy (outro que não o artista). Irão os húngaros reaproveitar o arame?